Texto antigo cujo nem poderia (nem queria) ser publicado,
mas acho desperdício que ninguém veja
Então me olhas com esse teu olho cuja cor ainda não decifrei - castanho? verde? avelã? - respirando tão perto que posso sentir o carbono quente invadir as minhas narinas, enquanto te deitas no travesseiro no meu colo simplesmente me olhando na cama que é minha, mas que te ofereço pra ser tua também.
Foi exatamente desse jeito que nos beijamos pela primeira vez, lembra? Depois de um milhão de teorias bobas, de um milhão de afagar dos meus dedos no teus cabelos, tua mão agarrou pra minha nuca, minha coluna fez uma curva e teus lábios eram meus, enfim.
Meu coração ainda dispara quando te vejo, mesmo depois de tantos erros, tanto tempo separados. Porque não importa o tempo que fiques longe, quando voltas em outro domingo preguiçoso e sempre com hora pra voltar, é como se aquele primeiro dia ainda estivesse aqui. Eu sinto ainda como da primeira vez. Eu te sinto ainda como daquele primeiro olhar que me fez te querer pra mim.
Então minha perna fica dormente e nós dois deitamos lado a lado na cama. E tu continua me encarando com esse teu olho que não decifro, que não me decifra, que não me diz nada, só me dá mais vontade ainda te encontrar o que tem em ti.
E vem teus braços subindo pela curva da minha cintura, pela minha coluna toda curvada pra ti, pela minha nuca e trava ali na raiz dos meus cabelos os carinhos que tu não pode me dar. Teu aperto dói e alivia. Teu afago dói, mas eu quero.
E me beijas como antes, porque tua boca e a minha ainda são imãs e precisam uma da outra. Mesmo com culpa, me beijas com a vontade que reprimiu todo esse tempo. Eu digo que é errado, tu admite mas não pára - ainda bem! - porque não precisas.
Me aperta contra teu corpo com a força de quem não quer me deixar nunca mais, de quem tenta curar tudo que me fere por dentro, com a culpa de quem sabe que me fere e mesmo assim me cura. Eu choro de dor, tu te desesperas pela minha dor, eu te digo o que se deve fazer, tu é covarde pra fazer. Mas, hoje não, hoje tu parece corajoso. Ou sou só eu me deixando iludir de novo pelo teu olho que eu não decifro?
- Porque tu é assim?
- Assim como?
- Tão irresistível.
- Não sou irresistível. Tu que não quer, nem precisa, resistir a mim.
Silêncio
- Me deixa aproveitar meus últimos minutos contigo hoje
- Hoje...
- É, hoje.
Porque hão de vir outros milhares de domingos como estes, certo meu anjo?